XII JORNADA DO GERAR
RETÓRICA E DEMOCRACIA: DAS ORIGENS ÀS PERSPECTIVAS ATUAIS
Por Camila Alderete Capitani (Doutoranda USP)
“O instante é a continuidade do tempo, pois une o tempo passado ao tempo futuro”
Aristóteles
Voltar o olhar ao passado no intuito de discutir as relações entre Retórica e Democracia é assumir a vitalidade dos estudos retóricos no instante presente, pois a coexistência é atravessada por interesses diversos que geram uma conflitualidade recorrente na sociedade.
Conflitualidade essa que deve ser atenuada apenas por meio do diálogo e da negociação das diferenças, a partir de uma argumentação que não seja nem coerciva nem arbitrária, mas que confira sentido à liberdade humana.
A fim de discutir essa indissociabilidade entre Retórica e Democracia, o Grupo de Estudos de Retórica e Argumentação, coordenado pela professora Dra. Lineide do Lago Salvador Mosca, realizou no dia 23/05/19, quinta-feira, a XII Jornada do GERAR na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Para comemorar seus 25 anos de frutífera existência, o GERAR valorizou, na escolha do tema “Retórica e Democracia: das origens às perspectivas atuais” a competência retórico-argumentativa de participação na vida comum a que a própria noção de cidadania remete, sem a qual a democracia é afetada.
Para promover essas discussões em sua programação, o GERAR articulou diálogos interdisciplinares com as áreas do Direito Internacional e História Social, bem como trouxe também outros pesquisadores em Retórica e Argumentação para integrar a mesa de discussões sobre o tema, dentre eles o Grupo ERA- PUC/SP ( Estudos Retóricos e Argumentativos) e o PARE - UNIFRAN/SP ( Pesquisa em Argumentação e Retórica).
Na primeira preleção, o professor Pedro B. A. Dallari, prof. Titular de Direito Internacional do Instituto de Relações Internacionais (IRI/USP), colocou em questão uma controvérsia que enseja um verdadeiro choque de narrativas do plano latino-americano à esfera global: estaríamos nós vivendo uma crise da democracia ou uma crise na democracia? A exposição trouxe elementos discursivos que permitiram ao auditório analisar as perspectivas pelas quais a crise é evidenciada na sociedade.
Em seguida, o professor Paulo Borba Casella, prof. Titular de Direito Internacional Público da USP, tratou do Direito Internacional no tempo do Colonialismo. A partir de uma perspectiva histórica do Direito, o preletor mostrou como este foi conivente com o fenômeno do colonialismo e suas contradições até a eclosão do movimento oposto, que se seguiu, a descolonização e o reconhecimento do direito de autodeterminação dos povos.
Marco Aurélio Moura dos Santos, doutorando em Direito Internacional pela USP, abordou o éthos, lógos e páthos do genocídio no Direito Internacional. A partir da etimologia do termo genocídio, Marco explicou como este conceito se ressignificou ao longo dos tempos, especialmente na Convenção de Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948.
Para além da esteira do Direito Internacional, seguem-se duas preleções que remontam às origens da história da civilização ocidental: a primeira, intitulada “Péricles e a força política da persuasão”, referiu-se à forma de condução da política por Péricles, época conhecida como século de ouro, tomando-se por base o terceiro discurso relatado por Tucídides na Guerra do Peloponeso. A preleção de Ricardo Neves dos Santos, mestrando em Letras Clássicas (grego) pela USP, respondeu à questão: se Péricles não utilizava a imposição ou a adulação para governar seus concidadãos, qual era então seu principal instrumento de ação política?
Já a preleção seguinte “Retórica republicana e oratória imperial em Roma”, de autoria da prof. Dra. Elaine Cristine Sartorelli do DLCV-USP, abordou a prática da democracia em Roma, inspirada na Grécia, e a passagem de uma retórica ciceroniana, de valores éticos, a uma retórica do período imperial, longe dos princípios daquela e reduzida a meros exercícios de eloquência.
No período vespertino, a preleção “ A guerra de narrativas entre memória social e discurso historiográfico” confrontou o discurso histórico e a memória social, tomados enquanto narrativas e relativizados quanto ao caráter de objetividade em razão de suas manifestações subjetivas. Passado e futuro da história brasileira foram examinados como uma “guerra de narrativas” a partir da perspectiva de Marcos Napolitano, professor e orientador do Programa de História Social da USP.
Ao final, quatro grupos, constituídos por pesquisadores em Retórica e Argumentação, imbuídos de preocupação com a democracia e o direito das minorias abordaram, cada qual baseado em diretrizes que norteiam seus estudos, uma problemática dentro da temática da Jornada.
O doutorando Francisco Benedito Leite, do grupo GERAR, versou sobre o “Gênero Evangelho: a retórica dos excluídos” a partir do ponto de vista dos gêneros discursivos e apontou a manifestação do fenômeno mítico-literário do carnaval bakhtiniano, que se dá no evangelho, como uma forma de resistência simbólica nutrida pelo discurso religioso.
Ana Lúcia Magalhães, integrante do Grupo ERA (Estudos Retóricos e Argumentativos) da PUC/SP, discorreu sobre os estudos em torno dos conceitos de oratória a partir das perspectivas de gregos e romanos. A pesquisadora concluiu que apesar de oratória e retórica parecerem atualmente termos sinônimos, estão em campos diferentes: enquanto a oratória é, nas palavras de Górgias, reveladora de toda força discursiva, a retórica é mais abrangente, pois é arte.
O grupo PARE da UNIFRAN/SP representado pelos membros Gabriel Henrique Haddad, mestrando em Linguística, e Ticiano Jardim Pimenta, graduando de Letras, expôs o tema “ A retórica na política brasileira atual: uma democracia ameaçada pela ausência do debate? ”. Baseados nos princípios de respeito ao pluralismo de ideias que a retórica e argumentação sugerem, os pesquisadores questionaram se o governo proporciona de fato um debate democrático.
A última preleção foi do Grupo de Estudos sobre a Proteção Internacional de Minorias, GEPIM, da Faculdade de Direito da USP representado pelos membros Frédéric Walthère Joachim Pili e Carlos Eduardo de Castro e Silva Carreira, mestres em Direito Internacional, que trouxeram contribuições valiosas para reflexão sobre o conceito de “minorias” dentro do Direito Internacional e em larga expansão na sociedade contemporânea.
Conforme se pode observar, o GERAR presenteou a todos com excelentes discussões acerca de um tema tão atual como a democracia e de maneira interdisciplinar se posicionou a favor da pluralidade de ideias, do respeito à alteridade e pelo domínio de uma convivencialidade que é dialógica, mas também dialogal.
Para celebrar esta data histórica, houve uma apresentação musical, um delicioso café com bolo de aniversário e o lançamento do livro “Retórica e Discurso fronteiras e interfaces: das origens aos desdobramentos atuais” em homenagem àquela que polinizou anos a fio campos de flores imensos até GERAR os mais belos frutos da arte de argumentar. À profª Dra. Lineide do Lago Salvador Mosca nossos mais sinceros agradecimentos, gostaríamos que ficasse com estas palavras de Cora Coralina no coração: “ eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores”.
Outras fotos em nosso álbum:
https://www.flickr.com/photos/gerar-usp/albums/72157709282873401