Exame de Qualificação do doutorando Emilson José Bento

Por Prof. Dr. Isaar Soares de Carvalho 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tema: “O fazer persuasivo em discursos religiosos polêmicos: Agostinho de Hipona e o movimento donatista”.

Doutorando:  Emilson José Bento

Banca: Profa. Dra. Lineide do Lago Salvador Mosca (orientadora), Profa. Dra. Elizabeth Harkot-de-La-Taille e Prof. Dr. José Rodrigues Seabra Filho
Unidade: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa - USP

 

 

Foi realizado no último dia 28 de Janeiro, no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP, o Exame de Qualificação de Doutorado em Letras do pós-graduando Emilson José Bento, orientado pela Profa. Dra. Lineide do Lago Salvador Mosca.

O candidato foi arguido pela Profa. Dra. Elizabeth Harkot-de-La-Taille e pelo Prof. Dr. José Rodrigues Seabra Filho, os quais reconheceram a importância do tema de pesquisa, as qualidades acadêmicas e vernáculas do texto, a seriedade do trabalho, a boa estrutura e o bom desenvolvimento da argumentação, ressaltando que o trabalho se enriqueceu ainda mais devido à inclusão, pelo autor, de várias pinturas que ilustram o período examinado (séculos IV e V). Observou-se, enfim, que as fontes bibliográficas são excelentes. Se houvesse pecado no trabalho, não no sentido teológico, ele se encontraria na extensão do texto, a qual poderia ser menor, recomendando-se maior brevidade e concisão.

Em sua pesquisa, o autor se dedica à análise dos discursos de Agostinho referentes à polêmica antidonatista. Quanto às teorias de suporte, o estudo se sustenta nas seguintes bases: a Retórica aristotélica, a Nova Retórica, a Semiótica e a Análise do Discurso. Ressalta-se o ponto de confluência da Semiótica e da Retórica na consideração do percurso gerativo de sentido e do edifício retórico (a inventio, a dispositio e a elocutio), ao partir  do mais profundo e abstrato, passando pelo actancial/narrativo e aflorando no discursivo. De modo similar se dão os investimentos de valor, considerados pelos enfoques em questão, sendo estes pontos fundamentais à Nova Retórica.

Na exaustiva e minuciosa análise empreendida por Emilson foram examinados especificamente os seguintes escritos do grande mestre da Retórica e das Escrituras: De baptismo contra donatistas, Epistula ad catholicos de secta donatistarum - De Unitate Ecclesiae, Tractatus in Iohannes Evangelium, Prosecutiones Augustini in collatione cum donatistis e  Sermo ad Caesariensis Ecclesiae Plebem.

No decorrer do trabalho, o autor expõe que os discursos examinados apresentam um conteúdo não só religioso, mas também político e ideológico, pois o Bispo de Hipona escrevia contra os donatistas a partir do ponto de vista da dogmática católica, pois a instituição eclesiástica já adotava o dogma de que “fora da Igreja não há salvação” .

O autor também demonstra que a interpretação das Escrituras e a Retórica em Agostinho se complementam, não sendo a sua hermenêutica e a exposição do texto bíblico diante do auditório algo teórico, isto é, contemplativo, uma vez que Agostinho buscava com esses instrumentos a adesão dos ouvintes ao seu ponto de vista, isto é, seu discurso tinha como objetivo a adesão da audiência. Por isso, seus discursos se revestem de importância não só do ponto de vista da Homilética, mas também da Retórica em geral, como instrumento para a discussão das diferentes interpretações e para a exposição do pensamento em busca da eficácia da palavra que, como na parábola do Segundo Isaías, espera-se que não volte vazia.

O autor demonstra em seu trabalho que, fosse o auditório de Agostinho constituído por seu rebanho ou pelos seus adversários na polêmica antidonatista, a finalidade de sua parábola era a mesma, seu discurso era enunciado em busca de um resultado. Assim, quer nos comentários bíblicos expostos nas homilias, quer nas epístolas, ambos dirigidos ao público fidelizado, ou ainda nos seus tratados de caráter polêmico, Agostinho tinha em mira o que no Século XX foi definido na Linguística como o caráter atuacional da Linguagem, especialmente na obra de John Austin, How to do things with words (1962), cuja tradução francesa, Quand dire c´est faire (1970), em si mesma é um ato de linguagem. Também na obra de John R. Searle, Speech Acts (1969) e outros renomados autores o caráter atuacional da linguagem foi objeto de estudos exaustivos.

Outro aspecto positivo da Tese é a contextualização que o autor faz a respeito do cisma donatista, a fim de que o leitor se localize conceitualmente em relação aos textos polêmicos que constituem o objeto de seu trabalho.

Concluindo, trata-se de um trabalho amplo, com uma abordagem do tema proposto que  recorre à História, à Exegese, à Teologia, à Política, e especialmente à Semiótica e à Retórica, tanto valorizando a tradição grega de que a linguagem é “um instrumento a serviço da verdade, meio de expressão artística e agente de persuasão” (H. Lasswell, A Linguagem da Política, 1979, p. 13), quanto demonstrando que Agostinho praticou o que escrevera em sua De Doctrina Christiana: “Considerando que, graças à arte da retórica, se pode persuadir alguém tanto daquilo que é verdadeiro como daquilo que é falso, quem ousaria dizer que a verdade deve fazer frente à mentira com defensores sem armas?... Quem será tão irracional que assim pense?”.

Dessa forma, a obra de Agostinho confirma o que disse Aristóteles em sua Poética: “O que respeita ao pensamento tem seu lugar na Retórica, porque o assunto mais pertence ao campo desta disciplina. O pensamento inclui todos os efeitos produzidos mediante a palavra; dele fazem parte o demonstrar e o refutar, suscitar emoções (como a piedade, o terror, a ira e outras que tais) e ainda o majorar e o minorar o valor das coisas”. (Trad. de Eudoro de Souza,1993, p. 112).

Enfim, o trabalho de pesquisa de Emilson José Bento é referendado pela Nova Retórica, cujo nome exponencial é Chäim Perelman, que reconheceu o lugar da polêmica, devido ao caráter relativo da verdade e às diferentes visões de mundo, confirmando o que dissera Platão no Fedro, isto é, que a melhor maneira de se fazer Filosofia é através do diálogo, e que o texto deve ser um lembrete para a discussão, pois é próprio do pensamento o movimento, e tal como o ser de Heráclito, estará sempre em devir, abrindo, por sua natureza, os caminhos para a Retórica, sem que a adesão do auditório venha a prescindir da Ética.

 

                                                                               

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