Qualificação de Doutorado de João Men

Por Isaar Soares de Carvalho - Pós-Doutorando (FFLCH-USP)

Foi realizado no dia 08 de Maio de 2017 o Exame de Qualificação de Doutorado de João Men, orientando da Profa. Dra. Lineide Salvador Mosca, no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH-USP.

Seu projeto de pesquisa se intitula “O discurso do corpo e a negociação da alma: o impacto das emoções influenciando resultados”. A questão central examinada é a seguinte: por que algumas pessoas negociam melhor do que outras? Em torno disso o autor procura examinar os diferentes objetos da negociação nos discursos e textos do Papa Francisco, bem como o uso que o religioso faz das técnicas argumentativas com a finalidade de obter a adesão dos espíritos, mostrando as relações entre as figuras da Retórica e a performance discursiva  papal.

A pesquisa, além do corpus teórico, integrado pela Arte Retórica de Aristóteles, especialmente a parte dedicada às paixões, pela Nova Retórica, especialmente o Tratado da Argumentação, de Perelman e Olbtrechts-Tyteca, estabelece um diálogo com os fundamentos contemporâneos da negociação, mostrando como os discursos, os textos e as atuações do Papa Francisco, Bispo de Roma e líder da Igreja Católica Apostólica Romana, exercem influência sobre o público, não só em relação a temas teológicos, mas também aos problemas éticos, econômicos e políticos, principalmente na esfera das relações internacionais.

O autor observa que o impacto causado sobre as pessoas é mais lembrado do que o discurso verbal em si. No caso do Papa Francisco isso é evidente. As pessoas vão a Roma para vê-lo, e para a maioria da plateia, isso basta, independentemente de seu discurso verbal.  

Por outro lado, a figura de um líder religioso milenar, associada a discursos feitos durante o calendário litúrgico, com conteúdo político, citando problemas como a segurança, a paz entre as nações, o apoio a imigrantes em busca de abrigo, entre outros, causam mais efeito devido ao emissor da mensagem, não necessariamente ao seu conteúdo. Para os fieis, é um homem de Deus quem está falando, cognominado pela própria Igreja como o santo padre.

A pesquisa mostra que o Papa é um ator político e tendo consciência disso, serve-se dos cenários tanto do Vaticano quanto de outras cortes, conferências internacionais e das ruas por onde passa em desfile, adotando performances populistas, como o fato de acolher crianças no veículo que o conduz, ou o de lançar mão de um símbolo religioso como a figura do bom pastor com uma ovelha ao ombro, ou de citar uma regra de ouro presente no Evangelho: “Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles” (Lc 6.31). Mesmo na História do Pensamento Político essa ideia foi expressa por um grande conhecedor da Retórica, Thomas Hobbes, e é notório que o sumo pontífice, no Séc. XXI, diante de líderes da política internacional, tenha citado o mesmo texto ao qual Hobbes se referiu em 1651, em sua luta contra o perigo da guerra civil em seu país, ao afirmar que “as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade)” significam “em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam” (Leviatã, Cap. XVII).

O trabalho de João Men transita entre o discurso e a negociação, por um lado, e a Política, definida por Aristóteles como a arte mestra, e por isso tem um caráter próprio da Retórica, posto que a Política exige habilidade de comunicação, de negociação e de solução de conflitos, sendo uma arte que se relaciona diretamente com a Retórica, a qual, tanto na Grécia quanto em Roma, tinha grande importância na solução de conflitos e  na administração pública, não bastando, porém, que os atores políticos apenas soubessem convencer com palavras, mas sendo necessário que possuíssem  a virtude ou ethos.

Desse ponto de vista, em sua pesquisa João Men enfatiza a figura política do Papa Francisco como mediador de conflitos e sua grande influência mundial, agora não mais como no passado, quando a Igreja pretendia ser um Estado dentro do Estado, e mesmo acima dele, mas reconhecendo seu lugar e incluindo a política nas funções pastorais, com um largo uso das tecnologias de comunicação da cultura midiática.

Gostaríamos de observar, finalmente que, como se trata da Retórica, pareceu-nos muito oportuno que autor da Tese tenha escolhido um Papa como objeto de estudo, pois a Retórica se relaciona, ainda que indiretamente, com a perfeição, desde que levemos em conta o ideal de orador almejado por Quintiliano, para quem “o orador deve ser perfeito, moralmente irrepreensível, e não resumir suas habilidades à perícia no discursar, mas estendê-las a todas as potências da alma" (A educação do orador: tradução e estudo do Livro II da Institutio Oratoria. Rafael Falcón, Dissertação de Mestrado, FFLCH-DLCV-USP: 2015, p. 5).

Os membros da Banca examinadora, Profa. Dra. Lineide Salvador Mosca (Orientadora), Prof. Dr. Paulo Casella (FD-USP) e Prof. Dr. Luiz Antonio da Silva (DLCV-USP), após as acuradas observações feitas, que se constituíram numa verdadeira aula de metodologia e redação científica, consideraram o candidato aprovado e apto a prosseguir em sua pesquisa, cujo tema foi considerado interessante e instigante pelos examinadores.  Ao João Men nossas felicitações e votos de êxito na continuidade de seu trabalho.

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